SALA VIVA - SALA MORTA - SALA SECA
Qual a Melhor Sala Para se Ouvir Música?
1ª. Parte
Acústica
Introdução
No mercado de áudio e vídeo e também entre nós, amantes da música e da
imagem, e inclusive entre os engenheiros acústicos, vigora o conceito,
já profundamente arraigado e consolidado, que “uma boa sala de
reprodução de música e shows necessariamente tem que ser viva ou, se não
for para tanto, pelo menos semiviva”. Existem controvérsias na questão
de quão viva a sala deva ser, mas todos concordam que ela precisa ser
viva ou semiviva. E, colocada esta premissa em prática, constatamos uma
interação entre a sala específica em questão e aquilo que está sendo
reproduzido. Em outras palavras, instalando o nosso sistema de áudio em
uma sala viva, criamos uma solução auditiva nova e particular, que se
revela superior ao resultado sonoro advindo apenas do sistema.
Hoje, se você observar
bem, a maioria dos nossos ambientes tendem a serem vivos, principalmente
ambientes públicos, como aeroportos, estações de ônibus e muitos outros,
apesar das pouquíssimas exceções, como alguns cinemas e teatros. E não
nos damos conta de que há uma grande influência destes ambientes sobre o
nosso bem estar, aspecto muito relegado aqui entre nós.
Pretendemos neste artigo,
em primeiro lugar, estudar a onda sonora de uma forma abrangente,
apresentando alguns conceitos físicos que normalmente não são
mencionados, mas muito importantes para a acústica. Em seguida, vamos
estudar e definir um dos parâmetros mais importantes da acústica que é o
Tempo de Reverberação (RT = Reverbaration Time), e mostrar a sua
influência na audição, para depois adequá-lo às diversas salas
existentes. Iremos, nesta ocasião, definir os vários tipos de salas, as
vivas, as mortas (também chamadas de salas surdas pelo pessoal de
gravação), e as salas secas, para em seguida verificarmos qual delas é a
melhor opção para nós. Analisaremos também o que vem a ser conforto
auditivo, como alcançá-lo e quais as suas conseqüências para o nosso
emocional.
© 2010-2020 Jorge Bruno Fritz Knirsch
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Ondas Sonoras
De início, eu pensava em escrever um artigo inteiro sobre ondas sonoras,
mas não deu tempo. Os acontecimentos têm atropelado as ações, de forma
que, no momento, pretendo ser muito breve quanto a este tema, apesar do
assunto ser de vital importância, e já entrar logo na análise do
tempo de reverberação (RT). Faço isto para que vocês possam me
acompanhar na colocação dos fenômenos físicos e dos aspectos técnicos
que vamos tratar em seguida.
Existem, na física,
vários tipos de ondas. Entre elas, as ondas mecânicas, que são
produzidas por distúrbios, ou seja, por partículas vibrando num vai e
vem, em um determinado meio. Através destas vibrações é que as ondas
mecânicas são transmitidas.
As ondas mecânicas podem
ser sentidas e vistas. Por exemplo, as observamos nas molas, nas cordas
de um violão, na água. Não existem no vácuo, pois ali não há partículas.
Elas são progressivas, ou seja, se afastam de sua emissão, transportando
energia, sem transferir matéria. Possuem várias características como
freqüência, comprimento, velocidade, amplitude e fase. Algumas destas
características vamos ver com maior detalhe adiante. Também podem sofrer
alguns processos físicos importantes como: reflexão, refração, difração,
interferência ou sobreposição, e polarização. Alguns destes processos
físicos vamos estudar agora.
Existem dois tipos de
ondas mecânicas: as transversais e as longitudinais. Nas ondas
mecânicas transversais, os distúrbios, ou seja, as vibrações de vai e
vem, ocorrem perpendicularmente à transferência de energia. Em outras
palavras, as vibrações são perpendiculares ao movimento de transmissão
ou propagação. Por exemplo, vemos isto nas ondas que se propagam em
cordas que estão presas por uma extremidade. Outro exemplo são as ondas
que observamos na superfície da água.
Caixa acústica com duas pessoas:
uma à frente e outra atrás dela, ambas olhando para a caixa no
espaço livre. |
Nas ondas
mecânicas longitudinais, os distúrbios, ou seja, as vibrações de vai e
vem das partículas, se realizam na direção do movimento. Um exemplo
deste tipo de ondas é encontrado em molas, onde as ondas se propagam
longitudinalmente, na direção da transmissão de energia. A onda sonora
também é uma onda mecânica longitudinal. Ela pode, por exemplo, ser
gerada em um alto-falante ou em algum instrumento qualquer.
Uma onda sonora
representa uma frente de onda mecânica, com variação de pressão no ar,
mas que, no entanto, se propaga, a partir de sua emissão, em todas as
direções. Contrário ao que vi escrito em muitos sites na Internet, a
onda sonora é longitudinal, porém sua propagação é esférica. Este é o
primeiro conceito físico importantíssimo:
a onda sonora é uma onda mecânica longitudinal com propagação
esférica, difundindo-se em todas as direções a partir do seu ponto
de emissão. |
Este aspecto, pouco
conhecido e também pouco mencionado, está representado na figura ao
lado, em um só plano, mas procurem visualizá-lo agora de forma esférica:
imaginem uma caixa acústica colocada no espaço, cercada de ar em toda a
sua volta, e sem nenhuma superfície refletora por perto. Imaginem também
uma pessoa sendo posicionada a alguns metros à frente desta caixa
acústica e outra a alguns metros atrás dela, ambas acompanhando uma
linha imaginária perpendicular ao alto falante. Vamos agora supor que o
alto-falante comece a emitir uma onda sonora de, por exemplo, 20Hz, que
é esférica, a um volume agradável ao nosso ouvido. Qual das duas pessoas
vocês acham que vai ouvi-la? A da frente somente, ou ambas? Pensem um
pouco, a pergunta é realmente interessante, pois nos faz tomar
consciência de algo que intuitivamente já sabemos! É claro que ninguém
vai duvidar que a pessoa à frente da caixa vai ouvir o som de 20Hz, mas
o mais importante para nós é que a pessoa atrás da caixa vai ouvir a
mesma onda sonora, com menor intensidade, é verdade, porém vai ouvi-la
também! Este processo físico chama-se difração.
Um segundo conceito físico
muito importante e, com certeza, uma novidade para muitos de nós é que:
Uma onda sonora de baixa freqüência tem a capacidade física de se
refazer, ou seja, de se difratar, se reconstituindo atrás de objetos ou
anteparos. Mas, à medida que a freqüência sonora aumenta, este fenômeno
se reduz. Como colocado, este segundo conceito é especialmente
válido para as baixas freqüências do espectro audível e um grande
desafio no tratamento acústico de salas e estúdios. Portanto, não é
qualquer anteparo colocado na sala de audição que irá resolver o
problema dos graves.
O alcance e a magnitude destes dois conceitos físicos é muito grande, a
ponto de afetar profundamente a forma de tratamento acústico de uma
sala. Para explicarmos isto um pouco melhor, vamos analisar a fórmula
básica de uma onda sonora:
Explicando, a velocidade do
som no meio é uma constante, que é o comprimento da onda multiplicado
pela sua freqüência. A velocidade do som varia com a temperatura
ambiente. Vamos adotá-la em 344m/s para uma temperatura em torno de 20°C. Independentemente da sua
freqüência, o som se propaga no ar com a mesma velocidade, variando o
seu comprimento de onda em função da sua freqüência.
Para explicar um pouco melhor
estes termos, vejam a figura abaixo. Toda onda sonora pode ser
representada por uma onda senoidal, sendo emitida evidentemente em todas
direções, a partir do ponto de emissão, o que não está representado
aqui. A onda senoidal tem uma parte superior e uma parte inferior.
Podemos considerar a parte superior com sendo a área de sobrepressão do
ar no ambiente e a parte inferior como sendo a de subpressão. Na crista
superior temos a pressão máxima e na crista inferior temos uma rarefação
do ar (subpressão). No eixo horizontal temos a pressão em repouso do
ambiente, que está em torno de uma atmosfera de pressão. Vamos comentar
um pouco os aspectos físicos destas colocações, de forma prática.
Tomando, por exemplo, a nossa onda de 20Hz, que é, em geral, a
freqüência mais baixa que conseguimos ouvir e sentir, vamos estudá-la um pouco
mais de perto.
O comprimento de uma onda de
20Hz é 17,2m. Vejam bem, vou repetir: o comprimento da onda de 20Hz é
algo em torno de dezessete metros. É algo muito grande! Quero comentar
que a distância entre uma das cristas de sobrepressão e a crista
seguinte é 17m. É uma distância enorme! E a distância entre uma crista
de sobrepressão e a de subpressão é a metade disto, ou seja, 8,5m.
Muitos perguntam se irão ouvir uma onda de 20Hz numa sala cujas dimensões
(altura, largura e comprimento) sejam menores que este comprimento de
onda. A resposta é sim, sem dúvida nenhuma. Vamos ouvir os 20Hz em uma
sala pequena. O alto-falante, quando emite essa onda, não sabe o tamanho
da sala, ele apenas a emite. A onda, agora, devido à sala ser menor que
o seu comprimento, ao encontrar as paredes, continua se formando,
retornando da parede para a direção da fonte, e fica neste vai e vem, se
refletindo em todas as direções. E começa a ocorrer também o encontro
entre as ondas que vão e as que voltam, criando somas e subtrações,
gerando interferências: o encontro de duas cristas cria uma pressão
dobrada, o encontro de uma crista e um vale cria uma região de pressão
normal e o encontro de dois vales cria uma região de dupla subpressão, e
entre estas três graduações existem todas as outras possíveis. Como
vocês estão percebendo, em salas pequenas, digamos abaixo de 100m3,
os graves são um problema realmente grave! Se esta onda, ainda for uma
ressonância da sala, então o assunto se torna mais complexo ainda, mas
isto é um problema que iremos estudar no capítulo de ondas
estacionárias, quando chegarmos lá.
Agora vamos imaginar uma onda
de 200Hz. Esta onda tem um comprimento de 1,72m, ou seja ela tem um
comprimento dez vezes menor do que a onda de 20Hz. Vocês vão concordar
comigo que a diferença é muito grande. Se tomarmos agora uma onda sonora
de 2000Hz o seu comprimento será de apenas 17,2cm. A redução, em relação
aos 17,2m da onda de 20Hz, agora é de um centésimo. É uma redução
enorme! Sem dúvida alguma, a forma de realizar o tratamento acústico,
para os diversos comprimentos de ondas, de magnitudes tão diferentes,
deve ser bastante diferenciada.
Como havíamos falado, a onda
sonora é esférica nas baixas freqüências, mas à medida que a freqüência
aumenta, ela inicia um ganho em diretividade. Este é o terceiro conceito
físico muito importante: à medida que a freqüência aumenta, o ângulo
esférico em 360 graus vai diminuindo para um ângulo cônico cada vez
menor, indo de um ângulo obtuso para um ângulo mais agudo, tornando-se
uma onda direcional nas altas freqüências já acima do campo auditivo
humano. Então, em 20.000Hz, limite da nossa audição, a onda já
começa a ser diretiva, porém, contrário ao que se diz, ela ainda se
propaga em um cone sonoro agudo. Isto é muito importante, pois a partir
das médias freqüências e depois, nas altas, já podemos tratar as ondas
sonoras conforme as leis da ótica, na reflexão, difusão, refração e
difração, o que simplifica o tratamento. Isto não é de todo correto, mas
já permite uma boa aproximação do fenômeno físico real.
Somente para recapitular o
que são graves, médios e agudos, colocamos o diagrama abaixo:
Graves, médios e agudos na percepção musical
Os graves começam em 20Hz e vão
até algo em torno de 160Hz, onde começam os médios, que vão até algo em
torno 1300Hz, e aí, é onde se iniciam os agudos. Estes valores são
flexíveis. Muitos adotam a freqüência limite entre graves e médios como
sendo 200Hz e entre médios e agudos como 2000Hz.
Resumo
Neste segundo artigo, a respeito
de acústica, analisamos alguns aspectos pouco comuns das ondas sonoras,
porém de grande relevância para a solução técnica de tratamentos
acústicos, principalmente em salas pequenas (menores que 100m3)
destinadas à audição normal ou crítica. Complementando o que diversos
sites e vários livros didáticos publicam, a onda sonora é longitudinal,
mas a sua difusão (propagação) é esférica, com progressivo aumento do
seu diâmetro e redução da sua intensidade ( com o quadrado da distância)
após a emissão. Repetimos abaixo os três conceitos básicos da onda
sonora, para que não sejam esquecidos, pois vamos usá-los por inúmeras
vezes mais à frente.
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A onda sonora é uma
onda mecânica longitudinal, com propagação esférica, difundindo-se em
todas as direções, a partir do seu ponto de emissão.
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Uma onda sonora de
baixa freqüência tem a capacidade física de se refazer, ou seja, de se
difratar, se reconstituindo atrás de objetos ou anteparos. E, à medida
que a freqüência aumenta, este fenômeno se reduz.
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À medida que a
freqüência sonora aumenta, o ângulo esférico de sua propagação em 360
graus vai diminuindo para um ângulo cônico cada vez menor, indo de um
ângulo obtuso para um ângulo mais agudo, tornando-se uma onda
direcional, nas altas freqüências, já acima do campo auditivo humano.
Estes três conceitos básicos a
respeito de ondas sonoras são fundamentais para explicar mais adiante
porque algumas técnicas funcionam e outras não. Vamos derrubar alguns
mitos que existem nos tratamentos acústicos e mostrar um caminho mais
seguro e correto para fazê-lo, trazendo mais informação ao nosso meio.
Desejo a todos aquela sala
corretamente tratada, para que vocês possam ouvir o que realmente foi
gravado!!! Uma excelente audição e aquele abraço!!!!
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